Quarta-feira, 29 de Junho de 2005

Arnaldo Jabor ... Sempre tive inveja de Ronaldinho

gelado.jpg


Sempre tive inveja de Ronaldinho.

Não só dele, com seus dentinhos separados e seus 100 milhões de dólares,

beijado por multidões,

invejo também Daniella Cicarelli pelo mistério feminino, por sua luz de ninfa

que eu, homem, nunca entenderei.

O problema da Cicarelli é a perfeição.

Ela é uma construção impecável,

dos olhos aos pés.

Tenho vontade de dizer-lhe:

“Seja feia, Daniela...É tua salvação!...”

Deve ser difícil viver com tanta beleza. Onde ela chega, é vista como um objeto

de arte, todos querendo percorrê-la

como uma paisagem.

Outras têm diferentes feitiços:

Bündchen é galga, objetiva, global;

outras são gostosas, com bundas e bocas. Daniella tinha a aura aristocrática,

algo de Audrey Hepburn,

de My Fair Lady, sorriso inocente,

doçura e saúde.

“Quem sou eu, além de minha beleza?” devia se perguntar.

Fiquei desiludido com o fim do casamento. Tive uma decepção romântica.

Esperava que fossem felizes para sempre. Imaginei mesmo cenas eróticas

entre os dois, a deusa e o centauro, o cavalgante atleta “sobre égua de nácar”, como cantou Lorca.

Mas devo confessar que, desde o início, esse romance me incomodava.

Alguma coisa soava falsa em tanto amor

e em tantas certezas rápidas.

Achei que, de repente,

o Ronaldinho “resolveu” se apaixonar, como quem decide comprar um carro de luxo, ou um avião.

Escolheu Daniella, na ponta do dedo,

ela cinco estrelas dos milionários.

Ele, que já tinha papado as mais belas mulheres do País, todas brancas, claro,

quis transformá-la numa nova “Cinderela”. Só que talvez a ”Cinderela” fosse ele, casando com a Princesa,

ele um ex-pobre e mulato claro.

Esse romance sempre me pareceu uma “bandeira” viva do Brasil de hoje:

narcísico e romântico, liberal e racista, democrático na mídia,

mas excludente na vida real.

Ronaldinho quis penetrar num clube fechado, no Country Club do amor,

num Helvetia existencial.

Mas ele não joga pólo, mas futebol. Ronaldinho é um fenômeno,

mas é de origem pobre,

que subiu na vida.

Como um Lula.

E Daniella era branca e dela demais,

frágil, dama do círculo dos rapazes “finos” de São Paulo, o clube dos sedutores milionários que freqüentam em revezamento as meninas modelos.

Daniella podia entrar, apesar da origem pobre, pois era suficientemente “Patrícia”. Ronaldinho era amigo de alguns deles,

pela fama internacional, pelo poder do esporte, mas sempre foi um agregado de honra.

Teria sido possível o mesmo caso de amor com Ronaldinho Gaúcho, ou com o Grafite? Houve um sutil racismo, um conflito de classes quase invisível, como um ruído na sintonia, um pecado nos mandamentos da elite virtual.

Elite virtual: esse reino de famosos dançando a valsa das vaidades da mídia.

No início, eu achava que Ronaldinho amava muito Daniella,

mas não acreditei no amor

de Daniella por ele.

Depois, parei de acreditar

no amor dos dois.

Sempre percebi uma ponta

de depressão e dúvida nos sorrisos escancarados, uma pequena sombra de receio em seus olhos lindos, como se estivesse sob as ordens da imprensa,

mais além de sua liberdade.

E, nele, eu vi um desejo excessivo,

voraz, na conquista da branca mais cobiçada.

Não quero saber quem largou quem,

se ela era interesseira ou não.

Falo de um contexto pseudoliberal

que não suportou o caso fora de padrão

do mercado romântico.

O caso dos dois me pareceu irreal,

diante desse amor de mercado que temos hoje, em que o sentimento é apenas uma fachada para a fama ou a grana.

Aí veio o casamento no castelo de Chatilly. A festa tinha a finalidade de ir além do Helvetia, queria ser uma reconstituição

da pureza de Daniella,

com ecos de Diane e Charles,

careta e ostensiva, promovida

por um ex-pobre deslumbrado.

A festa já nasceu contraditória:

Kitsch e de bom gosto, queria ser “de arromba”, mas fechada para a mídia.

Um amor acompanhado a cada beijo, a cada sorriso nas revistas e, na hora H, ninguém poderia assistir

ao fim do filme de amor?

Como impedir a entrada da Caras, como impedir a Hola?

A imprensa madrinha deles não foi convidada, como a mãe de Daniella, manicure.

A vingança da mídia se fez visível

como um monstro no ar.

A festa já condenava

o casamento ao fracasso.

Por ser invisível, não existiria na mídia,

a não ser como rancor:

como esse mulatinho branco

e essa perua agressiva ousaram esse nível de exclusividade?

E a festa era tão pretensiosa que os ricos “finos” começaram a sabotá-la.

Penetras se organizaram em “pegadinhas” e muitos penetraram não indo.

E, não por acaso, no escândalo da noite, o pivô foi um dos filhos do Helvetia, levando uma clone de Daniella, vestida de branco como noiva clandestina. Como era possível para Daniella manter o sorriso de princesa no meio de tanta megalomania?

E Daniella explodiu.

Ela precisava se desvencilhar

daquela falsa doçura,

como um retorno do reprimido.

Quando a festa acabou,

o dano estava feito.

Garnero lamentou “elegantemente” a ingratidão de Ronaldo,

Caroline cresceu na mídia,

Daniella ficou queimada como “picareta”

ou como víbora e Ronaldinho acabou

como o otário ex-pobre

que quis bancar o “super-rich”.

Depois, chegou o terrível cotidiano

e os dois se encontraram sem identidade. Quem somos nós?

Que fazemos aqui,

se não nos conhecemos?

Se viram sozinhos, um diante do outro. Foram enganados por si mesmos. Infelizmente, não lhes veio o filho,

que poderia ser um messias de mercado naquilo tudo. E tudo acabou.

Na balada, os amores frívolos ainda são suportáveis, mas, no café da manhã,

no quarto, o mulato ex-pobre e a sílfide Patrícia começaram “hurler de se trouver ensemble”

(sempre que posso uso essa expressão – “uivam ao se verem juntos”).

Como unir o orgulho da beleza e do fenômeno com o tête-à-tête humilde dos casais de classe média.
publicado por linade às 11:08
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1 comentário:
De Anónimo a 27 de Fevereiro de 2009 às 04:39
Fiquei impressionada com o preconceito racial encontrado em cada paragrafo do texto. Lamentável.


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